O curral é um espelho

Marcham,
não por destino…
marcham porque alguém desenhou setas no chão
e disse que era sagrado pisar nelas.
O homem com cabeça de boi
não tem olhos – não viu
pessoas entulhadas em vala comum –
mas os acéfalos o encaram.
Um homem tosco,
com a saliva escorrendo entre
os dentes podres de poder,
grita uma mentira como quem anuncia o sol,
e todos, com olhos voltados ao chão,
agradecem pela claridade.
Eles chamam de pátria,
mas é só ódio pintado com as cores da bandeira.
Chamam de fé,
mas é só coágulo ideológico,
embolorado no canto da ignorância.
Eles batem continência para o som
de um boi sem elegibilidade.
Gritam “liberdade” enquanto acorrentam
a própria garganta.
Leem a Bíblia como quem lê manual de espancamento.
Fazem arminha com os dedos,
mas não seguram o filho com a mesma firmeza.
E se alguém levanta uma pergunta,
eles puxam o crucifixo
como se fosse granada.
Não pensam,
ruminam.
Repetem frases como salmos,
em dialeto de usina de fake news.
Temem o artista,
porque o artista desenha portas.
Temem o professor,
porque o professor mostra que elas existem.
Temem o livro,
porque é nele que a cerca perde sentido.
Eles querem tudo limpo,
mas sujam tudo com sangue dos outros.
Querem tudo certo,
desde que seja só o erro deles autorizado.
No final, ajoelham – se diante
de um cadáver de nação
e chamam de renascimento.
Bradam “família”,
mas deixariam a própria mãe amarrada no poste,
se ela não aplaudisse o líder.
Eles não seguem o mito,
eles o carregam como um fardo.
E quem tenta abrir os olhos
é chamado de rato,
de traidor,
de esquerdista com cheiro de biblioteca.
O fascismo não chega com tanques.
Chega com emojis de bandeira
e correntes no WhatsApp.
E quando tudo estiver em cinzas,
dirão que foi culpa do fósforo.
Aplaudirão as ruínas,
erguerão um outdoor no meio do entulho
com a frase:
“Ao menos não era comunismo.”
Com o adendo, de eles não sabem
o que é comunismo.
Depois sorrirão,
com os dentes gastos pela obediência,
e pedirão mais uma estátua.
De preferência,
de alguém que nunca soube falar,
mas sabe mandar calar.
Da poeta Simone Bacelar
29.06.25